quinta-feira, 1 de outubro de 2020

ELBRENELL, PERSONAGEM DE THE DARK EYE NA CAMPANHA: OCASO

TIVE UMA SESSÃO DE RPG INCRÍVEL COM Yon e Daniel da RetroPunk Publicações, Holz da Dungeon Geek e Hita do Quest Cast !!! Sem palavras! A pressão foi tanta que tirei a vida do Personagem do Mestre! 😟 E vai ter mais! Acompanhe em twitch.tv/retropunkgd

Segue um pouco mais sobre o meu personagem: "Ell nasceu em uma das vários aglomerações de tribos élficas da floresta nos arredores das Pedras de Salamandra. Sua linhagem nunca teve sobrenome, pois eram considerados amaldiçoados pelo estigma de olhos felinos. Era cultural da tribo, por gerações, acusar sua família por todos os males e anunciarem que eram servos de Dhaza por sempre nascerem no fim dos anos, e não conseguirem entoar canções élficas." "Ell teve uma infância sofrida de ofensas e agressões, muitas vezes não dormindo com medo de apanhar. Nunca pode estudar com os outros elfos e precisava sobreviver mesmo dentro de sua própria tribo. Não aprendeu magias como deveria e buscava compensar isso imitando os treinos de caça que observava escondido. Ell passou a ver sua raça como falha e isso o fez ter interesse nos humanos." "A gota d'água veio quando uma doença matou grande parte de sua tribo. Esta que decidiu matar Ell e sua família. Apenas ele fugiu, amaldiçoado, sendo atormentado por espíritos élficos ao entoar magias, buscando ter uma nova vida entre os humanos."

segunda-feira, 6 de julho de 2020

O MUSEU DO UNIVERSO


Conto inspirado pela proposta do podcast Mundo Freak Confidencial, episódio: 305 - Os Experimentos do Projeto Montauk.



Desde que iniciei minha carreira na campo da astronáutica, jamais me imaginei na posição em que me encontro. A visão heróica do meu cargo sempre foi uma máscara que, por anos, testemunhei e usufrui.
Eu mesmo era inocente quanto a tudo isso. Desde pequeno acompanhei incontáveis lançamentos, li revistas e pesquisei artigos. Mesmo sabendo de todos os riscos, homens e mulheres, parcialmente ou tão ensandecidos quanto me encontro agora escrevendo estas palavras em busca de dar alguma razão a minha existência, estavam dispostos a pôr suas vidas e a sanidade de todos os que os amam em risco, em troca de algum avanço no que conhecemos por ciência. Em troca do título de herói da humanidade.
Desde meu período no exército até as missões de piloto de teste, me considerava abençoado ou sortudo. Chame do que quiser. Já não importa mais o que essas palavras significam. Eu não era o mais inteligente, não era o mais capaz e nem de longe o mais adaptado a todas as ameaças da viagem espacial.
Mesmo assim minhas notas eram as melhores, meus testes físicos superavam os de qualquer outro, as provas psico-sociais não ofereciam qualquer desafio. Eu questionava os cientistas do projeto Montauk, horas preocupado com a boataria sobre a manipulação dos testes, horas orgulhoso e me gabando da minha origem brasileira.
Eles me respondiam que era um grande feito, que eu deveria mesmo me orgulhar do que estava fazendo em nome da humanidade, diziam que os boatos dos outros astronautas sobre a manipulação era nada mais do que inveja, um sentimento esperado, já que apenas os melhores realmente deixam o planeta para serem heróis.
Eu acreditei…
Eu não vou ficar discorrendo sobre o projeto. Manterei a cláusula de confidencialidade do meu contrato, mas não por devoção e sim porque, depois do que testemunhei, o reconheço como um mal necessário. Eu não sei quem, ou o que, lerá este pedaço de couro. Não quero ser o responsável por revelar a ELES o que pode ser nossa maior ferramenta contra o que encontrei.
Fui o que os autores de exploração, seja nos artigos sobre Colombo ou nas obras de ficção de Verne, chamam de pioneiro. Me garantiram que a máquina me levaria até Marte em segurança, junto de equipamento o bastante para sobreviver por uma semana. Até o fim desse período eles enviariam outros desafortunados como eu com mais e mais quinquilharias para ocuparmos o planeta.
Não mentiram sobre a máquina. Como disse, eu não era o mais inteligente e não fazia ideia de como ela funcionava - ainda não faço - mas era grande o bastante para ocupar uma extensão subterrânea de quilômetros, cheias de cabos, luzes e tubos. Me posicionei no centro assim como orientava o treinamento, paramentado com o que tinham de melhor em termos de traje e ferramentas portáteis. Você deve estar se perguntando com qual razão eu me colocaria dentro de uma situação tão obscura e apavorante, mas como eu havia dito, qualquer um que passe pelas provas de astronáutica e não desista, tem uma sanidade questionável. O discurso de heroísmo e humanidade só serviam para não enxergarmos nossa própria loucura.
Minutos depois, me encontrava sozinho. Uma única forma de vida pensante em uma escala de distância compreensível por poucas mentes humanas. A terra, vermelha como me ensinaram na escola, subia e descia em dunas, planaltos e depressões por todo o horizonte.
Meu traje entrou em ação dando diversos alertas sobre a ausência de oxigênio, presença de gases diversos, temperatura, solo, gravidade etc. me informando que a partir daquele período eu tinha sete dias de vida. Eu acabara de receber uma clara condenação. Um prazo de existência que agora, se aproxima do fim…
Mas nesse passado tão próximo, eu estava confiante de que viriam outros. De que eu seria salvo por outros heróis e juntos, todos comemoraríamos nossa conquista. Eu não suspeitava de nada. Eu não questionada nada. Assim como orientava o treinamento.
Haviam se passado três dias - informados pelo relógio do traje - que poderiam ser resumidos em andar, comer, beber e cagar. O cenário era uma representação repetitiva e exaustiva de pó com padrões de noite e dia que, mesmo semelhantes a Terra, perturbavam meus costumes de forma sutil e venenosa. Minha comunicação com o projeto era zero, pois eles disseram que a máquina que me trouxe para Marte me impedia de portar qualquer equipamento que transmitisse ondas. Contudo, uma vez em Marte, eu poderia receber sinais. Nunca entraram em contato comigo. Só ontem eu descobri que mentiram. Meu traje estavam transmitindo imagens de aúdio e vídeo esse tempo todo.
No quarto dia foi quando encontrei ELES, ou sendo mais claro, o que deixaram para ser encontrado. O local onde estou agora não era para ser discreto nem mesmo oculto. Mesmo assim, surgiu para mim como que do nada. Me questiono até agora como nossas inteligências terrestres não sabiam deste lugar, ou se sabiam, como mantiveram algo assim oculto por tanto tempo.
A cidade não é nada como já foi representada em filmes ou descrita nos livros sobre marcianos - nem mesmo poderia, pois jamais seríamos capazes de imaginar algo assim. Também não acredito que seja de algum povo marciano como já vimos na ficção. Suas estruturas são grotescamente gigantes, maiores do que qualquer coisa que já vi. Algumas portas ou arcos que levam para dentro de prédios parecem feitas para seres maiores do que o próprio Cristo Redentor.
As formas geométricas não fazem qualquer sentido arquitetônico. Não são móveis ou místicas, mas se sustentam em posições e curvas que jamais seriam possíveis na Terra. Em busca de não usar expressões como magia, prefiro culpar as diferenças gravitacionais e eletromagnéticas que envolvem o planeta. Outra característica interessante das estruturas se trata da ausência de cor. Tudo parece muito semelhante ao solo, sem marcas de fragmentação nas paredes como de tijolos ou rachaduras. Em resumo, parecem que foram moldadas a partir do próprio solo.
Movido por uma curiosidade advinda do tédio inconcebível, decidi explorar a cidadela. Vaguei por horas e horas, não compreendendo uma coisa sequer. Até mesmo agora, não sei diferenciar o que é útil, o que é estético, o que é tecnológico ou o que é arcaico.
Ontem, sexto dia, finalmente encontrei um cômodo que me trouxe conforto. Apesar do tamanho grotesco, suas paredes eram forradas com algo que posso assemelhar a estantes divididas em prateleiras de muitos tamanhos com uma quantidade incontável de objetos diversos permeando cada metro. Imagino que mesmo dotado da imortalidade, um dom que antes considerava mera fantasia religiosa, jamais conseguiria analisar tudo.
Contudo, somente hoje entendi do que se trata este salão. Depois de ver, tocar, mexer, testemunhar coisas brilharem, flutuarem e até explodirem, tão entretido quanto uma criança boba cativada por brinquedos dos quais ela mal compreende suas verdadeiras funções, um dos objetos, do tamanho de um caixão, com bordas maciças de algum metal reluzente, emitiu uma frase em grunhidos e glossolalia que eram tão compreensíveis quanto tentar entender um cão por meros latidos. Naquele instante, toda a minha fascinação e curiosidade se deformou em horror pleno e abjeto.
Uma frase que já havia visto em incontáveis obras de ficção me engoliu a mente: “Não estamos sozinhos no universo”.
É claro que não estamos. Apenas o mais ignóbil ser pensante é capaz de acreditar piamente que nenhuma outra forma de vida em quaisquer das infinitas dimensões e galáxias existe. Mesmo os religiosos creem em outras formas de vida que permeiam nosso dia-a-dia. Eu mesmo sempre fiz piada com meu irmão muito supersticioso sobre espíritos o verem enquanto cagava ou tomava banho.
Contudo, para o meu ser, para a minha massa encefálica cheia de curtos elétricos pela falta gradual de oxigênio, a frase clichê já não era mais tão simples de aceitar. Não se trata de uma informação matemática, de uma dedução baseada em evidências, de fé… Nós não estamos sozinhos no universo. Não estamos sozinho nem em nosso próprio sistema solar.
Nos meus últimos caminhares por esse museu universal que agora, ironicamente, se torna minha tumba, foi quando encontrei aquilo que me motivou a registrar minha viagem até aqui. Em meio a imensidão de itens que me fazem sentir menor do que o prematuro niilismo de Heinrich, encontrei uma caixa. Um objeto pequeno, não maior do que uma gaveta de escrivaninha, que jurei ser de origem humana. Abri com uma de minhas ferramentas e removi o tecido de couro inacreditavelmente inteiro, de sobre uma pedra.
As portas da morte deixo meu último registro para o projeto e para o universo, escrito nesse pedaço de couro enquanto observo, sentindo algo que nós humanos só sabemos descrever como o aperto no coração, a pedra. Um minúsculo cascalho frente ao museu, com uma pintura rústica de povos sul-americanos do segundo ou terceiro século representando um homem prostrado diante de uma cobra gigante.
O que isso significa? Não sei. Não sou dos mais inteligentes…

segunda-feira, 22 de junho de 2020

MALDITO COMPONENTE MATERIAL


Ultimamente eu tenho escrito contos, mas esse está mais para um relato. Acreditem ou não, isso aconteceu e eu precisava colocar no meu blog, afinal, RPG, principalmente Tormenta, tem permeado ele desde a criação. Obrigado, Luís Fernando Guazzelli, o dono do personagem, pela cena mais engraçada dos meus últimos anos de RPG.


Situação padrão de RPG no período de Corona: jogo pelo Discord.
Eu como mestre, Luís como um dos jogadores. Propus uma situação em que o grupo ficou dividido entre se unir a vilã, uma vez que a causa dela tem um lado justificável, ou se rebelar contra ela arriscando a própria vida, mas salvando parte do Panteão.
Encan Rubronegro – humano, tirano do Terceiro – o personagem em questão nesse relato, acabou ficando sozinho na decisão de enfrentar a vilã, mas sua escolha foi compreendida pelos demais membros do grupo. Eles estavam no Café Pirâmide – um dos pontos de interesse do mundo divino de Hyninn, Ramknal – quando Encan tomou sua decisão.
Para ir embora, ele iria usar sua magia Viagem Planar. Então, começaram as despedidas, envolvendo frases emocionais como:
– Não é nada pessoal, mas eu não consigo continuar...
– Nós entendemos, não se preocupe, não nos tornaremos inimigos...
– Eu sentirei sua falta...
Pra você, leitor, ter uma ideia, até uma cena de beijo aconteceu entre ele e a única outra devota do grupo enquanto ela dizia:
– Desculpe não ir com você, mas você não vale a minha própria vida...
Enfim. Sem me alongar muito, foi tudo muito emocionante.
Ao final das despedidas, o Luís declarou que conjurava a magia, mas se esqueceu de um pequeno detalhe: Viagem Planar tem como requisito o conjurador portar um componente material bem específico e ele se esqueceu disso.
A magia, obviamente, não aconteceu e o clima da mesa foi da “tristeza” ao cômico em questão de segundos! A cena do personagem imóvel, esperando e nada acontecendo, se lembrando do componente material e no final de tudo, pedindo a conjuradora arcana do grupo o componente material dela para poder ir embora foi um dos melhores momentos da minha jornada pelo RPG de Mesa.
Fico muito feliz de compartilhar isso com vocês! Se alguém aí tiver alguma cena do tipo que queira compartilhar aqui, comenta aí, no face, twitter ou me envia que eu ponho no blog! Valeu, gente!


sábado, 20 de junho de 2020

MANCHETE – O LADINO


Esse conto se trata de uma matéria da Gazeta do Reinado, um trecho do jornal mais famoso do mundo de Arton. Ele foi inspirado por Arone Vento-Uivante, um ladino de Rafael Figueiredo.


Ah... O Ladino. Conhece? Não? Eu duvido! Em algum momento da sua vida você, com toda certeza, cruzou com um. Talvez não saiba que ela era um ladino e isso significa que ele era um dos bons. Em grupos massivos de heróis poderosos espalhados por toda Arton, poucos são bem-sucedidos em suas empreitadas sem um desses ao seu lado.
O motivo? Simples! O ladino é um sobrevivente. Acha que um patrulheiro das florestas ou um druida são mais focados nisso? Sinto muito, mas está um pouco enganado. Chegam momentos na vida dos dois onde poderes místicos envolvem suas capacidades ou eles ganham ajuda de criaturas poderosíssimas.
O ladino não. Porque se ele for místico demais, chama a atenção demais, se ele for acompanhado, terá dificuldades em fazer a companhia dar conta de se mover no ritmo dele. Mesmo em um grupo grande, o ladino está solitário e precisa contar sempre com isso para sobreviver. Munido de armas pequenas, armaduras frágeis, uma quantidade contada e limitada de artimanhas e ferramentas, sua maior qualidade está nas suas habilidades e na esperteza com que usa elas.
Existem exceções? É claro que existem, afinal um ladino pode seguir para muitos caminhos diferentes, mas normalmente quando faz isso, limita uma de suas maiores qualidades: a versatilidade.
Discorda? Então me diga você como é possível alguém tão mundano, estar cercado de aliados que invocam poderes divinos e arcanos estrondosos, estar cercado de ameaças cósmicas e destruidoras de planetas, mas ainda assim, ser essencial em um grupo e o responsável pela sobrevivência dele em incontáveis vezes.
Falo com propriedade. Essa matéria é sobre como conheci um.
Pessoalmente fui até sua antiga casa, aqui mesmo em Valkaria, onde ele aprendeu o básico antes de se tornar o que eu considero o maior ladino de Arton. Sim, eu sei que ele é um ladino, mas todos de Valkaria sabem. O amigo arcano dele fez questão de torná-los bem famosos depois de terem libertado Valkaria.
Arone Vento-Uivante é seu nome e devo dizer a vocês que conhecê-lo foi... Mundano. Eu sei que estou falando de um Libertador, mas quando entrei naquelas ruínas de uma guilda de ladinos velha e abandonada, seguindo a orientação de um contato, e vi Arone em pé, olhando mais para as lembranças daquele lugar do que para o lugar em si, foi como ver um jovem adulto, de não mais que 23, 24 invernos, simples, esguio e nitidamente ameaçador é claro, como a maioria dos aventureiros, mas nada além disso.
Pedi alguns instantes com ele. Tinha um olhar vazio, do tipo que já viu muita coisa e não tinha um deus ou um demônio para protegê-lo de tudo aquilo. Era só ele. Fiz perguntas sobre a jornada de sua vida. As repostas foram inesperadamente simples:
·        Ele aprendeu a ser ladino na guilda Vento-Uivante que foi queimada e destruída por ele ter se envolvido com um assalto que iria ferrar com um nobre de Valkaria corrupto.
·        Se uniu aos futuros Libertadores, quase sendo morto por um deles, graças as suas habilidades.
·        Foi preso e obrigado a lutar na batalha do Forte Amarid, onde foi morto.
·        Ressuscitado pelos deuses à pedido de seus demais companheiros, rapidamente se envolveu com a Libertação de Valkaria.
·        Dentro dos desafios da estátua que aprisionava a deusa, foi envenenado, explodido, assassinado, afogado, amaldiçoado, transmutado e aprisionado por magia inúmeras vezes. Foi de longe o membro da equipe que mais precisou ser ressuscitado pelo poderoso clérigo do grupo.
·        O faziam ir na frente, investigar primeiro, reconhecer as ameaças e até mesmo tentar lidar com elas sozinho, antes da equipe se envolver diretamente.
Eu me perguntava, conforme ele respondia, se ser um ladino não estava diretamente relacionado com algum senso de autodestruição ou suicídio.
Ele me contou que quando teve medo de seguir na frente, foi coagido pelo grupo a fazer isso. Eu perguntei a ele o motivo de ter concordado com esse absurdo, mas ele calmamente me respondeu:
– Era minha função... É o que ladinos fazem...
Cercado por um clérigo e um arcano extremamente poderosos, uma guardiã da realidade de Valkaria e um guerreiro que atacava tão rápido quanto um relâmpago, eu apenas me questionava como Arone tinha coragem para continuar.
Ao perguntar para ele, as respostas eram tão mundanas quanto a de qualquer um. Era o trabalho dele. Alguém tinha de fazer.
Eu sei que a maioria dos fãs dos Libertadores admiram muito os demais heróis e poucos reconhecem Arone, mas deixo aqui minha declaração final:
Se existe um herói que realmente represente o povo comum, os humanos de Valkaria e de todo o Reinado, esse é Arone, pois mesmo sendo tão mundano quanto qualquer um de nós, cumpriu seu dever do começo ao fim, sendo motivado apenas por algo que ele mesmo não quis dizer.
A Ambição Humana.
– Will Bummer; Seção: Humanos de Valkaria

sexta-feira, 19 de junho de 2020

A PROFESSORA E A NOVA ROTINA


Conto inspirado em um desafio da minha própria mãe, Nelma Viviane, que propôs escrever sobre professores no período da pandemia.


Despertador do celular toca. Lá vai ela mais uma vez. Olhos pesados e inchados, o cabelo tão incompreensivelmente bagunçado que parece conto de horror Lovecraft, ombros caídos e mãos tateando em busca dos óculos.
Um caminhar lento, sofrido, pesado até o banheiro. Olhando pela janela, o sol mal nasceu. Alguns da casa acordam com ela passando e perguntam:
– Mas você está em casa! Porque acordar tão cedo?
Pra evitar surtar e enforcar um familiar querido, ela respira e responde:
– Preciso organizar a pauta da próxima reunião...
E volta ao caminhar lento banheiro adentro. A porta fecha. Ela tenta parecer mais apresentável. Antes, só tinha que dar as caras para os alunos e os companheiros de serviço, agora, precisa dar as caras para os alunos, os pais, a coordenação, a diretoria, as vezes até ao prefeito e outros membros da câmara municipal.
Mas não para por aí. Se ela vai fazer isso da casa dela, precisa deixar a casa apresentável. Lá vai ela, mais ativa, o cabelo dentro dessas exigências de beleza social sem falar nos cremes, gilete, enfim... Para quem acorda depois e vai olhar a casa, parece um contraste de duas realidades.
O local pra onde a webcam aponta está mais organizado do que uma orquestra sinfônica. Ao redor, um furação que espalhou tudo para longe da área organizada em uma bagunça que lembra uma obra de arte surrealista. E não adianta ser só um cenário vazio, precisa passar boa impressão, livros, uma estante bonita, um quadro talvez...
Oh, não! Os filhos acordaram com o barulho dela. A partir de agora é oito ou oitenta. Correr para arrumar comida, ajeitar onde eles comerem, garantir que nada perigoso esteja ao alcance do menor, dar as ordens das tarefas de casa de cada um e ainda contar que eles vão entender que ela está trabalhando e precisa de silencio no cômodo onde vai fazer a reunião. A outra opção, claro, é surtar, mandar geral calar a boca, dizer pra se virarem com o que comer e que se alguém encher o saco vai sofrer.
Como ela decide qual dos dois métodos usar?
Depende do dia. Tem dia em que ela acorda bem, feliz, satisfeita consigo mesma e nem o cabelo perturbador a incomoda. Mas têm esses carinhas chamados hormônios, sabe? Aquele monte de substancia química que corre pelo nosso corpo fazendo tudo funcionar? Então... Pra mulher poder engravidar e etc. ela tem uma quantidade de hormônios muito mais insana que qualquer homem... E quando eles decidem estragar com o dia dela, meu amigo, cala a boca ou vai sofrer. E o pior é que depois o surto hormonal vai embora e ela ainda tem que lidar com a culpa de como tratou os outros... É... Que coisa.
Bom, tudo pronto. Ela senta na frente do computador. Manda ver na pauta, organiza documento, pega referência, faz slide, tudo dentro dos limites dela, de tudo que ela já pode estudar e ainda estuda porque o mundo ao redor não parou de girar e tem informação nova chegando a todo momento. Faltam 30 minutos pra começar.
O celular vibra com uma mensagem. A reunião foi adiada para o dia seguinte porque a prefeitura não tem um representante do setor de compras disponível... É... Que coisa.
Dia seguinte.
A nova rotina se repete. Tudo pronto. A reunião não foi adiada de novo. Ela tem tudo na ponta da língua. A reunião começa e tem um repórter da TV local online junto com os demais professores e membros da educação.
Ninguém avisou ela do repórter. Ela pergunta:
– Por quê?
Eles respondem:
– Você não recebeu o e-mail?
Ela vai até o e-mail dela. Nada sobre repórter. Ela explica que não chegou. Eles respondem:
– Ah! Essas tecnologias de hoje vivem dando problema, né? Mas tudo bem, sabemos que você vai dar conta! Só não se esquece que é uma live, está tudo ao vivo!
O cérebro dela decide entrar em pânico e dar um branco em tudo que ela sabe, nenhuma novidade, costuma ser sempre assim. Ela começa com gaguejos e improviso, mas aos poucos a coisa começa a caminhar, afinal, há dias ela estuda o que vai falar, mesmo tendo todas as outras ocupações de estar em casa.
A explicação dela acaba. Hora de abrir para perguntas. Ela se prepara mentalmente para reagir a qualquer pergunta imprevista e é exatamente uma dessas que vem, do repórter, mas não pra ela, pro membro do setor de compras.
Já se passaram 30 minutos e todas as perguntas só giraram em volta dos projetos da prefeitura para o benefício da cidade, até porque é obvio que saber se com a ausência de aulas, aproveitarão para pintar as escolas com cores novas do que saber sobre nova sugestão para a educação do município frente aos imprevistos da pandemia.
Finalmente alguém faz uma pergunta dirigida a professora:
– Vamos ter pausa para o almoço?
Ela, sabendo que pode destruir toda a carreira que conquistou, simpaticamente diz que a reunião acabará antes do almoço e eles não precisam se preocupar. Se dependesse dela, acabaria naquele exato instante inclusive.
De qualquer forma, quando acaba ela considera que pelo menos foi ouvida e que diante dos problemas do município, não há alternativa se não aceitarem a proposta dela.
No dia seguinte, ao abrir o próprio e-mail, a resposta:
– Senhorita Professora, infelizmente temos de recusar sua proposta, pois ela não é condizente com as exigências do Ministério da Educação de nosso estado. As leis vigentes nos impedem de aceitar o seu método, mas não se preocupe, pois métodos atuais propostos pelo nosso governo estadual foram analisados pelo prefeito e serão aplicados por profissionais terceirizados por um custo bem satisfatório.
A mente da professora é inundada de argumentos: eu faria de graça, eu conheço o município, eu conheço os alunos, eu conheço todos os profissionais envolvidos no projeto, eu dediquei centenas de horas aos estudos do método perfeitamente moldado as condições do próprio município, eu...
Exaustão. Dúvida. Vontade de desistir de tudo.
Uma mensagem no celular. Ela lê:
– Olá professora! Sou a mãe do João! Muito obrigada pelo método sugerido na reunião! Eu era uma das moradoras vendo sua explicação pela TV local e usei com meu filho ontem a noite. Ele compreendeu a matéria! Deus te abençoe!
Ao bloquear o celular, a professora vê o próprio rosto na tela. Está sorrindo. Um sorriso tão bobo e inocente quanto o de João ao entender a matéria na noite passada.
E assim, a professora levanta da cama e a nova rotina se repete.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

VAMOS TE TIRAR DESSE PESADELO


Conto inspirado na proposta de cenário de Ismael Cassimiro. Chega de medieval. Vamos pro Cyberpunk!

...Ok! Gravação já tá contando... Vamo lá... E ai! Se você está ouvindo isso, muito prazer! Eu sou o TPK. O que isso significa? Total Party Kills. Quer dizer que eu tenho o costume de matar todos os que eu enfrento. Foi um título que eu ganhei na arena Meta-Humana.
Se você sabe do que eu to falando, meus pêsames, mas se você não sabe, a arena Meta-Humana é o nosso pão e circo! Essa história de que nosso mundo virtual é a salvação, da Terra estar inabitável, dos malditos corporativos estarem nos protegendo dos males que causamos no planeta no passado. Cara! É o maior absurdo! Pra não dizer outra coisa! Não sei quem está ouvindo então vou pegar leve no palavreado...
Eu não faço ideia de onde eu vim. Não sei quem são meus pais nem como eu nasci. Só sei o que minha vida virtual inventou. Aqui no mundo real, ainda estamos tentando descobrir como eles fazem pra acordarmos, acasalarmos, termos filhos, mas voltarmos pro virtual sem qualquer lembrança disso. Uma coisa que já sabemos é que as crianças são criadas em ambientes reais, mas com uma estética toda falsa que simula o que elas vão viver quando alcançarem os 8 anos.
Aos 8 é quando somos enfiados na realidade virtual e dali pra frente, somos mantidos no básico. Gastam conosco só o suficiente pra manter nossos corpos vivos. Nos usam para repovoar o planeta e depois nos devolvem nas macas cheias de soros e aparelhos respiratórios com a desculpa de que estão nos protegendo de uma Terra contaminada e devastada.
Acha que é caro manter tanta gente nesse estado? Muito mais barato do que você imagina quando descobre que o mundo todo está livre pra ser explorado por uma população de mais ou menos 500 milhões de pessoas. Eu li que já fomos mais de 10 bilhões por volta de 2200 depois da Era Comum. Atualmente, contando os acordados e os dorminhocos no mundo virtual como você, a população humana tem umas 5 bilhões de pessoas. Porque estou dando esses dados?
Pra que você saiba que desde quando as corporações e a política não conseguiram mais conter as revoluções humanitárias do século 23, guerras civis estouraram em tudo que é merda de metrópole. Mais da metade da população mundial foi morta e te garanto que pouquíssimos desses números foram da burguesia. Apenas 10% da população atual tem acesso ao mundo real, podendo tirar proveito de tudo o que ele tem a oferecer enquanto mantém os outros 90% imersos no que chamados de RVMH – Realidade Virtual Massiva de Humanos – ou “RUM”, uma brincadeira com o nome por causa do jeito que fica escrito.
Você deve estar se perguntando qual a motivação pra guerras civis tão extremas. Eu me perguntava isso quando me acordaram da RUM. Bom, se você está ouvindo isso e nunca sentiu que só queria acordar da realidade humana causada pelas nossas estruturas de governo e empresas financiadoras de meritocracia hipócrita, você está mesmo vivendo uma vida de realidade virtual. Estão te enganando!
E talvez você até goste! Não vê problema no seu corpo inerte em injeções de soro desde que sua mente possa continuar vivendo na fantasia virtual da RUM. Mas se você pensa assim, minha mensagem não é pra você e eu não vou te acordar dela, pode ficar tranquilo, você é mais útil pra humanidade do jeito que está!
O quê? Vai dizer que estou mentindo? Que a burguesia precisa do proletariado? Não existe rico sem pobre? Me poupe! Eles podem te enfiar em uma realidade virtual com um banco de dados e servidores capazes de suportar yottabytes de armazenamento! Acha que já não substituíram cada empregado por milhares de linhas robóticas e inteligências artificiais!
Aí você diz “ah, mas alguém teve de construir essas linhas robóticas”. Sim, isso é verdade, e foram humanos que construíram. Onde eles estão agora? Os que estavam de acordo com os novos governantes do mundo agora fazem parte deles. Os que foram contra, há! Vamos só dizer que pintaram paredes de vermelho com eles.
Agora, se você deixar seu egoísmo sobrevivente de lado e pensar um pouco, vai sentir no fundo do seu cérebro que nem sempre foi feliz na RUM. Teve algum momento em que as coisas não fizeram sentido. Algum momento em que você se sentiu vazio. Sem propósito. Eu me senti assim depois que me tornei campeão na Meta-Humana. Na minha experiência da RUM, era uma espécie de mundo pra onde iam as consciências mais revoltosas. É assim que ela funciona. A RUM analisa você desde a infância e vai enviando sua mente para conviver nos mundos com pessoas parecidas. No meu caso, era uma espécie de terra cyberpunk, cheia de tecnologia bizarra e espaço para ganhar a vida na brutalidade. A Meta-Humana era o ápice. Um competidor era considerado um herói, mesmo que isso significasse matar outros humanos. É claro que eles não morriam de verdade. A RUM só mandava eles pra outro mundo, mas nós não sabíamos disso quando competíamos.
Eu lutei muito lá e subi de grau em grau, escalando as cabeças dos meus oponentes até levantar o troféu de campeão. As lutas? Dependia da temporada. Iam desde mano a mano em combate desarmado até o uso de criaturas monstruosas e alienígenas ao nosso favor com armamento futurista bizarro. Uma vez campeão, alcancei o estado de vazio, de falta de propósito. É preciso estar assim para ser acordado.
Foi quando conheci os Iluminados. Um grupo da vida real, pequeno, mas cheio de gente experiente em enfrentar os humanos, os robôs e as inteligências artificiais dessa nova Terra. Invadiram o lugar onde eu estava, conseguiram me despertar e levaram meu corpo. Quando acordei, eles me passaram tudo isso que agora eu divulgo pra vocês!
Esperamos que essa gravação te ajude a encontrar sua falta de propósito, sua sensação de vazio. Porque quando ela chegar, e vai chegar, nós estaremos lá para te acordar. Se não quiser lutar pela sua espécie, que seja, te colocamos pra dormir de novo. Mas eu duvido. Se você acordar, já é um de nós. A RUM não é o bastante pra você.
TPK falando do ano de 2528. Não se preocupe. Vamos te tirar desse pesadelo.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

O DIA EM QUE O FEIJÃO ENTORNOU


Conto inspirado no pedido de Francine Pardinho, no mundo de Arton (eu amo Arton!). Reza a lenda que esse conto é baseado em fatos reais.

Quando o assunto é “alimentos mágicos”, sabe-se que os mundos de fantasias estão repletos deles. Existem alguns que amaldiçoam, alguns que curam, alguns que nos levam aos céus e outros que nos arrastam para a condenação – as vezes nem sempre através de magia, não é mesmo? He! He!
Até mesmo os mais improváveis dos grãos como o feijão que já se tornou a escada mágica para alcançar um futuro melhor, nos faz notar como os alimentos místicos permeiam nossas vidas. Essa é uma lenda do dia em que um pote de feijões mudou a vida de inúmeras formas de vida – ou só a vida de um gato.
Era aquela clássica manhã de valag – um dia de descanso como o nosso domingo – em um planeta medieval-fantástico que gosto de chamar de Arton. Azgher – o sol – nascia brilhante do horizonte! Não haviam nuvens no céu para conter seus raios sobre o continente Artoniano. Não é a toa que em dias como esse, cheios de luz, existem boatos como “Azgher tudo vê”.
Contudo, existia um reino que não estava bem assim... Ele se chamava Pondsmânia, uma terra de fadas, magia e criaturas fantásticas, todas governadas por uma nobre rainha conhecida pelo nome de Thantalla-Dhaedelin, a Rainha das Fadas.
Diferente do resto de Arton que aproveitava da vinda do sol para darem vida a suas tarefas cotidianas, as fadas e outras criaturas mágicas de Ponsmânia como ninfas, dríades, faunos, unicórnios e tudo o mais que você puder imaginar de animais falantes, estavam escondidos embaixo dos troncos, cavernas e grutas, enfiados entre moitas, árvores e ninhos. O motivo disso era que a rainha Thantalla estava de mal humor.
Na terra das fadas, quando a rainha está de mal humor... Hum... Não queira viver lá. Ao invés de sol e céu aberto, havia chuva, nuvens negras permeando o céu, relâmpagos atingindo as árvores e trovões que faziam a terra tremer. No meio daquele caos aterrorizante, uma ratinha de pelo branquinho cutucou com seu focinho um gato preto que se escondia ao lado dele na mesma casca de árvore oca.
– Hey! Gato! GATO! – Era elétrico como só ela.
– Ooooii... – Era apático como só ele.
– Você sabe porque a rainha pirou dessa vez? Sabe? Sabe?
– Eu soube que derrubaram o pote de feijão dela... Sabe? Aquele que ela ganhou jogando xadrez contra aqueles humanos de ontem que vieram fazer desejos...
– Mas quem foi o maluco que fez um negócio desses!? Quem!?
– Ahn... Acho que fui... Eu... Mas foi acidental... Eu acho...
– O QUEEEE!? Você tem que admitir isso agora! Ela vai matar todos nós!
– Ela não deveria matar todos só por causa de um pote de feijão...
– Você sabe que a rainha muda de personalidade igual mudam as estações! Ela está na fase da Criança e as birras dela destroem o reino! Precisamos fazer alguma coisa!!!
– Tipo o que?
– Hummm... Já sei! Vamos atrás de feijões pra ela!
– Tá brincando, né?
– Não! E o senhor vem comigo! Precisa pagar pelo seu crime! A menos que queira ir se desculpar com ela sem feijão...
– Crime? Não foi um crime... Não... Não acho seguro ir sem feijão...
E assim o gato e a ratinha começaram a atravessar as floras mágicas de Pondsmânia em busca dos feijões dos humanos, afinal a salvação do reino dependia deles. Por vários dias, eles viajaram, cruzando vilarejos, se enfiando em tocas, abrindo caminho por paredes velhas e evitando serem notados. Dia após dia procurando algum feijão.
Um dia, cansados de tanto viajar – principalmente o gato molenga – decidiram se atirarem em um monte de feno dentro de um celeiro e dormir.
– Já viajamos tanto que a rainha já deve ter se acalmado... Esquece essa história...
– Nada disso! Nada de desistir! Nossos amigos podem estar em perigo! Precisamos do feijão! Do feijão!
Interessado na repetição da palavra feijão vinda do nada, um cão de guarda atento com a segurança da fazenda de seus donos decidiu olhar dentro do celeiro. Seus ouvidos não o enganaram e seu olfato trouxe a certeza de que havia um gato ali dentro.
O gato e a ratinha já saiam por um buraco na parede quando o cão, muito maior do que os dois, atravessou a madeira velha do celeiro, investindo em uma caçada furiosa e barulhenta.
Desesperados, a dupla dinâmica disparou para a parte da fazenda onde os moradores locais deixavam suas ferramentas maiores. Enquanto a ratinha desviava de cada forcado, cerca e escalava com precisão a parede do casarão, o gato pesou demais sobre a forca, atingindo-se no rosto, se destrambelhou todo na cerca e na escalada, caiu nas costas do cão que latia alguns metros abaixo, rolando e ficando zonzo.
Se não fosse a ratinha se atirar no cão para distraí-lo, aquele teria sido o fim do gato. Os dois voltaram a correr lado a lado com os latidos logo atrás.
– Que tipo de gato é você!? Pensei que gatos sempre caíssem de pé!
– Do tipo que prefere ficar na minha árvore! E quem te disse isso com certeza não era um gato!
– Espero que os boatos sobre as sete vidas de vocês seja verdade, porque você vai precisar!
– Seis! Com certeza perdi uma lá atrás!
Finalmente, eles alcançaram o final da fazenda e se envolverem no meio da mata de um bosque cheio de árvores frutíferas. O cão, obediente que só ele, parou de persegui-los a partir dali, apenas latindo avisos de “nunca mais voltem”, todo orgulhoso de si mesmo.
Deitados na grama, em meio as retomadas de fôlego, o gato gritou:
– CHEGA! Chega disso tudo! Eu vou ir pedir desculpas pra rainha sem feijão!
– Vai mesmo!? Mesmo, mesmo!?
– Sim... Você me salvou... Te devo essa...
– É lógico! Vamos voltar imediatamente!
O caminho de volta parecia ainda mais longo e cansativo, mas talvez fosse só a ansiedade do gato de estar seguro de novo. Apesar dos pesares, tudo corria bem na volta, mas a última parada de descanso da dupla foi visitada, inesperadamente, por um grupo de aventureiros que os pegaram desprevenidos.
Supreendentemente, os viajantes foram carinhosos e acharam a dupla uma fofura. Vestiram eles com roupinhas engraçadas que a clériga de Lena – uma representante divina da Deusa da Vida – do grupo sabia costurar e lhes deram comida antes de partirem novamente. Entre os pedacinhos de carne e frutinhas estava um montinho de feijão.
Alegres com o resultado da jornada, o gato e a ratinha retornaram, satisfeitos com o feijão que entregariam para a rainha. Ao chegarem, o caos continuava o mesmo e Thantalla, em sua forma de Criança, mantinha o tempo parado no reino, centrado em sua tempestade de birra e fúria.
Com os rabos entre as pernas, a dupla foi até aquela belíssima figura divina e real que era a Rainha das Fadas, interrompendo sua caminhada dramática e esticando para ela a refeição com feijão.
Quando Thantalla pegou o potinho de comida nas mãos, nada parecia acontecer. Ela apenas encarava o feijão como se estivesse analisando-o.
– Me desculpe, minha rainha... Eu... Eu estava vagando pela cozinha de seu castelo, apenas procurando um lugar quente para me deitar quando... Esbarrei em seu pote de feijão e o derrubei... Peço sincero perdão...
E assim, o gato se prostrou diante de sua governanta.
Olhando para o culpado, ela sorriu enquanto seu corpo todo foi revestido por uma luz fulgurante que iluminava todo o reino e o limpava da tempestade. Ela estava mudando de forma. Amadurecendo. No lugar daquela beleza infantil, uma jovem poderosa e altiva surgiu. A Guerreira era sua próxima fase de vida.
A nova rainha levantou o pote de feijão para que todos os seus súditos, curiosos atrás de cada moita, tronco ou pedra, pudessem ver e então o deixou cair no chão e ser tragado pela natureza.
O gato se assustou e sentiu que nem todas as suas vidas, se é que existiam, o salvariam daquela nova Thantalla.
Contudo, todos os súditos começaram a rir, incluindo a própria ratinha que correu para os ombros de sua rainha e se aconchegou em seus cabelos divinos.
– Mas... Mas o que?
O gato ainda não entendia, mas a ratinha fez questão de explicar.
– Deixe de ser bobo, senhor gato! Acha mesmo que nossa rainha estava ofendida com a queda do feijão!? A única coisa que havia ofendido ela era você nem ao menos admitir a culpa e pedir perdão! Como nossa rainha poderia evoluir se seus súditos nem ao menos tem coragem de pedi-la perdão!? Você estava querendo enganá-la!
– Espera... Espera... Mas e a tempestade!?
– Ninguém estava em perigo seu bobo! Foi tudo combinado pra te enganar no castelo! Você não estava lá porque fugiu!
Todos gargalhavam e a ratinha mostrava a língua, mas então a rainha quis falar.
– Gato. Escute-me. – Ela se inclinou e o afagou com as mãos – Essa lição não é apenas quando você fizer algo contra mim. Isso vale para todos. Indiferente do mal que você faça e todos sabemos que podemos causar o mal ao próximo mesmo sem a intenção, nunca, NUNCA, deixe de pedir perdão e de perdoar. O perdão que nos evolui. Entendeu? Seu bobo...
E assim ela o cutucou no focinho com carinho.